Ter depressão não é o mesmo que estar deprimido.
Já vimos que o isolamento social imposto pela pandemia tem tido efeitos preocupantes sobre a saúde das pessoas, inclusive a saúde mental. Quadros como bruxismo – abordado em artigo anterior – insônia e depressão vêm aumentando significativamente na população brasileira.
Embora existam números, a contabilidade real de quanto esses quadros aumentaram será feita por estudiosos e estatísticos nos próximos anos. É preciso ter certa distância temporal para ver um cenário tão novo com clareza. Mas a percepção de especialistas da área de saúde mental, consolidada em inúmeras entrevistas e matérias jornalísticas, já constitui um indício bastante confiável.
A atualidade do tema é um bom motivo para fazer uma distinção necessária entre o uso popular da palavra “depressão” (como em “bateu uma deprê” ou “estou deprimido”) e a definição médica desse mal. A tristeza ou melancolia transitória, causada ou não por um evento real (como a perda de um amor, um ente querido ou um emprego), é bem diferente da depressão “doença”, um estado mais persistente, profundo e debilitante, que pode comprometer severamente vários aspectos da vida da pessoa.
Embora se saiba que certamente há um componente genético, existem grandes debates, particularmente nas áreas de psicologia e psiquiatria, sobre as causas da depressão. Há os que acreditam que ela acontece por um desequilíbrio químico no cérebro e há quem afirme que esse desequilíbrio não é a própria doença, mas um de seus sintomas. Parece, contudo, haver um razoável consenso de que, se a depressão se manifesta, por um motivo ou por outro esse desequilíbrio está lá – e precisa ser tratado.
Uma das dificuldades que aqueles que sofrem com a depressão ainda enfrentam é o preconceito contra a doença. Se uma pessoa tem diabetes e precisa de insulina, ou sofre de hipertensão e tem de tomar remédios para controlá-la, dificilmente alguém ficará dizendo para o paciente: “não se entregue”, “seja forte”, “reaja”. Sim, isso ainda acontece quando se trata de depressão, e no melhor dos casos é fruto de desconhecimento.
Assim como o pâncreas para o diabetes e o sistema circulatório para a hipertensão, o cérebro – onde pode-se dizer que depressão “acontece” – é um órgão. Provavelmente o mais nobre e sofisticado deles, mas ainda assim um órgão (daí organismo = conjunto de órgãos). Cuidar de um órgão doente não é algo que se pode supor que dependa de “caráter” ou “força de vontade”.
O que existe e funciona é um tratamento, que normalmente é multidisciplinar e pode envolver psicoterapia, mas certamente envolverá, para grande parte dos pacientes, medicamentos – e aqui não pode haver preconceitos (lembra-se da insulina?). Também é uma estratégia valiosa adotar uma razoável rotina diária, com “tarefas” (coisas a fazer), e muito, mas muito importante praticar atividade física. É indispensável, claro, a orientação de um psiquiatra (que não é quem cuida de loucos, mas um médico que estudou muitos anos para tratar do cérebro).
Todo o tratamento é individualizado, pensado para “equilibrar” a química do cerebral, estabilizando o nível de neurotransmissores – substâncias responsáveis pelas reações químicas que fazem o cérebro funcionar – com o objetivo de restabelecer o humor e o comportamento “normal” do paciente (como ele era antes da depressão se apresentar). Assim como o assunto, as possibilidades são vastas, e não é possível esgotá-los em 1 ou 2 blogs, por isso devemos voltar ao tema em breve.
Por enquanto, tente se lembrar: a depressão pode ter como gatilho um fato que para boa parte das pessoas traria tristeza passageira, mas para quem tem a doença acaba abrindo uma porta, uma janela de oportunidade para sua manifestação. Um bom parâmetro: uma mistura de desmotivação e tristeza que dure mais de 3 meses provavelmente não é só uma pessoa “na bad”, mas um caso de depressão. Se for com você, ou alguém próximo, tente ver como tal. Procure ajuda especializada.