Seguros obrigatórios podem ser contraproducentes?

Entre os princípios do liberalismo econômico, estão postulados que podem ser expressos, de forma bem resumida, pelo seguinte enunciado: a existência de um Estado mínimo, que cobre menos impostos, imponha menos burocracia ao cidadão e às empresas e regule menos o mercado, deixando a livre iniciativa realmente… livre.

Parece uma boa proposta, e talvez não seja preciso ser adepto convicto e incondicional desse modelo econômico para enxergar nessas ideias algo positivo, que crie um ambiente de negócios mais favorável e convidativo, favoreça o crescimento econômico e, portanto, a criação de emprego e renda.

Mesmo quem atua num determinado segmento pode concordar que impor a contratação de seus respectivos produtos e serviços talvez seja contraproducente, tanto para o segmento em si como para o ambiente de negócios em geral, o que a médio e longo prazo prejudica todo mundo.

Um exemplo extremamente recente é a Lei 14.297, em vigor desde 6 de janeiro, que entre outras coisas prevê seguro e assistência financeira para entregadores com Covid-19 de empresas de aplicativo durante a pandemia.

A partir de agora, as empresas de aplicativos são obrigadas a contratar seguro contra acidentes, sem franquia, para os entregadores, para uso exclusivo durante o trajeto de retirada e entrega de produtos. A apólice deve incluir, obrigatoriamente, acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte.

Caso o entregador trabalhe para mais de uma empresa de aplicativo, a indenização deverá ser paga pela seguradora contratada pela empresa para a qual o trabalhador estiver prestando serviço no momento do acidente. Para comprovar a contaminação, o trabalhador deve apresentar resultado positivo no teste RT-PCR ou laudo médico (já comprovar que ela aconteceu durante a realização do serviço parece impossível…).

Praticamente ao mesmo tempo, a Uber anunciou que vai deixar de realizar entregas de restaurantes pelo Uber Eats no Brasil, a partir de 8 de março. Em nota oficial, a companhia informa que tomou a decisão para reforçar a ligação com a startup chilena Cornershop, de entrega de itens de conveniência e mercado (serviço que a Uber continuará a fornecer).

Mas é preciso ser um tanto crédulo para não desconfiar que os dois fatos estão ligados. Excesso de regulações sempre afugenta companhias que propõem inovações (o que é quase sinônimo de startup), como é o caso da Uber, com suas virtudes e defeitos. Não se trata de discutir a humanidade ou a justiça da medida, mas sim o que ela sinaliza para o mercado e seu possível resultado final.

Atualmente, a Uber tem cerca de 1 milhão de motoristas e entregadores parceiros no Brasil, sendo 50 mil dedicados à Uber Eats, que conta com cerca de 25 milhões de clientes. Enquanto certos “representantes” dos interesses dos desfavorecidos afirmam que a lei é uma “grande vitória” para os trabalhadores, toda essa área da Uber simplesmente deixará de existir.

Mesmo a empresa estimulando a migração dos parceiros atuantes no serviço que será descontinuado para os que continuarão disponíveis na plataforma, parece inevitável deduzir que haverá perdas para todos: entregadores, clientes, mercado – inclusive o segmento de seguros (porque, se um setor inteiro de uma empresa desaparece, obviamente os clientes e negócios potenciais vão junto).

Há infinitas maneiras de promover uma maior proteção, também securitária, a trabalhadores de diversos segmentos. Com raríssimas exceções em que a obrigatoriedade parece justificável, via de regra o estímulo (papel legítimo do Poder Público) e a concorrência livre funcionam melhor do que a pura e simples adoção compulsória de qualquer medida.

No Brasil, como em outras partes do mundo, parece que ainda estamos por entender as diversas possibilidades e nuances das relações de trabalho e a dinâmica dos mercados na vida real.

Fontes
https://g1.globo.com/economia
https://tecnoblog.net/noticias
https://www.b9.com.br
https://www.cnnbrasil.com.br/business