Com a nova Lei 14.454/2022 em vigor, lista volta a ser exemplificativa.

Mover-se, progredir ou construir com segurança em terreno pedregoso, irregular, instável, é uma tarefa arriscada, talvez impossível. É uma bela metáfora para um termo atualmente, no Brasil, cada vez mais citado, mas nem sempre bem entendido: insegurança jurídica.

Trata-se daquele cenário regido pelo princípio da imprevisibilidade na aplicação da legislação ao ambiente de negócios, portanto da impossibilidade de empresas e investidores terem maior estabilidade para planejar, investir, desenvolver-se. Enfim, fazer… negócios.

O setor de saúde – quase todos os players incluídos – experimenta no momento uma situação bastante icônica deste conceito, o próprio sobressalto de quem entra, no meio de uma jornada, em área turbulenta. Motivo: o rol da ANS, que era exemplificativo, virou taxativo. E depois desvirou, tornando-se exemplificativo de novo.

Para quem não sabe, o assim chamado rol da Agência Nacional de Saúde é, em síntese, a lista de tratamentos cobertos por planos de saúde. Em junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que ele deveria ser considerado taxativo, o que desobrigaria os convênios médicos a cobrir procedimentos que não estejam nele previstos, além de retirar (ou ao menos dificultar) às pessoas recorrer à Justiça para conseguir tratamentos específicos não listados.

Mas agora, há apenas alguns dias, a Presidência da República sancionou a lei 14.454/2022 – que teve origem no PL 2033/22 – e torna novamente o rol exemplificativo. Ou seja, serve como exemplo para tratamentos básicos, mas não limita a cobertura dos planos. A condição é que os procedimentos “extras” atendam a pelo menos um dos seguintes critérios (descritos resumidamente):
Ter eficácia comprovada pela ciência;
Autorização da Anvisa;
Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec);
Recomendação de pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional que tenha aprovado o tratamento para seus cidadãos.

A reversão legal foi uma espécie de resposta à mobilização social de associações de pacientes/usuários de planos de saúde contra a decisão do STJ em junho. Envolveram-se nessa polêmica cidadãos com interesse genuíno, mas também artistas e celebridades diversas, que pouco provavelmente compreendem o segmento de saúde ou a necessidade de manter uma empresa, inclusive dessa área, economicamente saudável.

Com certeza a questão é complexa e não se pode dar razão absoluta a nenhum dos lados, mas o vaivém de decisões e a frágil base jurídica atual configuram, para quem atua no setor, ou precisa dele, o pior dos mundos: empresas e segurados sem saber bem o que podem ou não fazer, em que circunstâncias, por quanto tempo. Não é difícil imaginar as implicações na vida de todos os envolvidos.

Em posicionamento divulgado à imprensa, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa diversos grupos de operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, lamentou a decisão, afirmou que a mudança coloca o Brasil “na contramão das melhores práticas mundiais” de incorporação de medicamentos e procedimentos em saúde e “dificulta a adequada precificação dos planos e compromete a previsibilidade de despesas assistenciais, podendo ocasionar alta nos preços das mensalidades e expulsão em massa dos beneficiários da saúde suplementar”.

Difícil que o apocalipse se abata sobre o setor, assim como a decisão anterior não assegurava a ninguém um lugar no paraíso. Mas entre um e outro extremos, a dificuldade de encontrar um ponto sustentável de equilíbrio com certeza pode fazer muita gente cair pelo caminho. “Gente” no sentido real e figurado. “Cair” também.

A FenaSaúde avalia recorrer ao Judiciário, “em defesa dos cerca de 50 milhões de beneficiários que hoje dependem dos planos de saúde no país”. Ou seja, mais desdobramentos jurídico-legais podem estar por vir. É um daqueles casos em que uma frase pronta ganha força de sentido, além de parecer uma boa ideia – senão o único jeito – para concluir um raciocínio:

“Aguarde as cenas dos próximos capítulos”

 

Fontes

www.blog.neoway.com.br
www.setorsaude.com.br
www.12.senado.leg.br
www.jota.info
www.olhardigital.com.br