Saúde pós-pandemia: o que mudou no comportamento das pessoas?

A emergência sanitária global acabou, inclusive “oficialmente”, como “decretado” pela própria OMS em comunicado mais ou menos recente - e, diga-se de passagem, o órgão da ONU não foi exatamente um exemplo de mira certeira durante a crise provocada pelo coronavírus, no início revelando o que muitos ainda consideram imprudência e, no final, provavelmente pecando por um considerável “excesso” de cautela e insistente alarmismo.

Órgãos oficiais, locais e globais, são uma referência importante, claro, mas inciativas nascidas da própria sociedade precisam ser bem consideradas e cruzadas/comparadas com as de qualquer instância que possa sofrer (mais fortemente) influências políticas - como, ninguém há de negar, é a ONU. Foquemos, portanto, num importante player global do segmento de saúde.

Para compreender as recentes mudanças nas expectativas, atitudes e comportamentos em relação à saúde e bem-estar, o Grupo Allianz Partners conduziu uma pesquisa em fevereiro de 2022, envolvendo mais de 25 mil consumidores, em 10 países, inclusive o Brasil. Os resultados revelaram 4 tendências que se intensificaram durante a pandemia, especialmente devido à mudança na relação das pessoas com a tecnologia.

Mesmo depois de mais de 1 ano, essas tendências fornecem insights valiosos sobre as transformações que ainda estamos vivendo desde o surgimento da emergência sanitária global, do cuidado médico até o comportamento das pessoas e o uso de tecnologias inovadoras. Sãos tendências que, tudo indica, estão moldando o presente e o futuro do setor de saúde e bem-estar.

A 1ª tendência está relacionada a mudanças na área médica. Nos últimos anos, tem havido um aumento nos casos de doenças crônicas e problemas de saúde mental, impulsionados pelo envelhecimento da população, estilos de vida sedentários, dietas inadequadas e diversos tipos de pressões sociais, além do ressurgimento parcial de doenças infecciosas, como sarampo.

Consequentemente, 47% dos jovens da assim chamada Geração Z (entre 18 e 25 anos) expressaram preocupação com problemas de saúde mental, enquanto 48% das famílias com filhos continuavam demonstrando preocupação com a covid-19 e outros vírus.

A 2ª tendência se refere a uma interessante, e extremamente relevante, mudança de comportamento: a transformação do paciente passivo em um ativo, ou seja, alguém que agora busca tomar decisões ativas para determinar seu próprio cuidado médico.

No tema saúde preventiva, o Brasil se destacou, liderando o ranking entre os participantes da pesquisa. Um exemplo: 60% dos pacientes com mais de 65 anos se mostraram interessados em exames de triagem precoce para prevenir o surgimento de condições específicas às quais possam ser vulneráveis, seja por individualidade biológica (inclusive fatores genéticos) ou estilo de vida.

A 3ª tendência envolve diretamente avanços tecnológicos. A saúde remota tornou-se uma realidade mais presente, com o uso da telemedicina nitidamente impulsionado: terapia remota on-line, atendimentos simples e triagem inicial, entre outros. No Brasil, observou-se um aumento de teleconsultas e entregas de medicamentos em domicílio, sendo este segundo item utilizado por 20% das famílias com filhos. Dentro do universo da pesquisa, os brasileiros são os que mais procuraram esse tipo de serviço.

A 4ª tendência também está relacionada à evolução tecnológica. Estamos vivendo um momento de controle hiperpersonalizado impulsionado por dados. O uso de tecnologias que permitem o monitoramento de várias métricas tem modificado a relação das pessoas com sua saúde, o acompanhamento de atividades físicas e o conhecimento de seus próprios corpos. Falamos desse tema recentemente aqui em nosso blog, num artigo sobre saúde digital.

O panorama final apresentado mostra uma população com indivíduos mais conscientes sobre sua própria saúde, começando pelo do monitoramento diário do corpo, passando pela preocupação com o acesso a serviços médicos - tanto na rede pública quanto no sitema privado - e chegando até uma integração mais ampla de todos esses aspectos com dispositivos eletrônicos.

Em outras palavras, além de maior atenção à saúde, existe também uma busca por praticidade e atendimento rápido e seguro, revelando um binômio cuidado + conveniência que está moldando as possibilidades de atendimento e influenciando a adesão das pessoas. É fundamental que o segmento de saúde continue acompanhando essas tendências e adaptando-se a elas, pois compreender as mudanças nas expectativas e comportamentos dos indivíduos permite desenvolver soluções inovadoras que atendam às necessidades/desejos - sempre em evolução - dos consumidores.

Sempre atenta ao fluxo tecnológico-comportamental que atinge soluções de saúde individuais e, principalmente, corporativas, a SICCS atua em constante sinergia com seguradoras e operadoras parceiras, para assim oferecer soluções adequadas à realidade atual do segmento, inclusive no que tange a mudanças trazidas pelo grande impacto desse fato histórico que foi a pandemia.

Porque a emergência sanitária global pode ter acabado, mas seu legado, psicológico e prático, dever surtir efeitos por muito tempo.

 

Fontes
www.revistacobertura.com.br
www.allianz-partners.com/pt_BR


Encaixar as peças para não acabar em pedaços.

A saúde suplementar no Brasil tem enigmas e desafios.

Um quebra-cabeça necessariamente montado em conjunto, mas em que ninguém conhece as peças dos outros - e talvez estejam também todos vendados, sem enxergar até mesmo as próprias peças, portanto tateando no escuro. Não seria uma metáfora muito implausível para descrever o cenário da saúde suplementar no Brasil. Uma coisa parece consensual entre os participantes (leia-se players): do jeito como tudo acontece hoje, a situação está no limiar do insustentável.

Uma pesquisa simples, rápida e direta traz informações francamente contraditórias, dependendo do ponto de vista, da causa e do interesse de quem as partilha. De um lado, clientes/usuários se desesperam com reajustes sempre muito além da inflação - pela qual normalmente são reajustados salários e benefícios, como aposentadoria, por exemplo - e de qualquer previsibilidade. Por outro lado, operadoras anunciam que o fim está próximo, como profetas que alertam para a chegada do apocalipse em fábulas e filmes de gosto duvidoso.

Correndo por fora, está o governo (que, vale lembrar, não é só composto pelo Executivo) e suas diversas instâncias e agências, com um apetite regulatório que tende ao infinito, amarrando dinâmicas de livre concorrência que provavelmente seriam parte da solução. Quais são as chances de um jogo jogado desse jeito “dar certo”, trazendo resultados econômicos satisfatórios para o setor e mais acesso à saúde para o cidadão? Alerta de spoiler: pouca, ou quase nenhuma.

Vejamos algumas informações conflitantes. Segundo a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2022 o setor de planos de saúde manteve o crescimento, incorporando quase 1,5 milhão de beneficiários e totalizando cerca de 50,5 milhões de usuários em planos de assistência médica, maior número desde dezembro de 2014. Mas a mesma agência informa que o lucro líquido dos planos caiu de R$ 3,8 bilhões para R$ 2,5 milhões, pior desempenho desde o início, em 2001, da série histórica que monitora o segmento.

Na interpretação desses dados, é importante considerar o “fator pandemia”: o setor já esperava um efeito na utilização após o isolamento social, pois durante o período em que ele vigorou as pessoas não utilizavam seus planos, para obedecer ao “fique em casa”. Acredita-se que, por essa razão, em 2020 houve um lucro histórico, de R$ 18,7 bilhões. Mas tomemos a queda mais recente, citada no parágrafo anterior, nada menos que 99% de redução (porque, sim, é de bilhões para milhões).

Como é possível um setor crescer além da casa do milhão em usuários e ainda assim perder lucratividade? Mais clientes não representariam maior receita? Mesmo o lucro tendo decrescido, mais de R$2 milhões ainda não é um resultado considerável, melhor que um prejuízo evidente? Bem, sim e não. Queda de 99% em lucratividade é ao mesmo tempo sinal de alívio e alerta: melhor “zero a zero” que “menos alguma coisa”, claro. Mas quedas vertiginosas sempre dão... vertigem. Bem, se existe alguma coisa complexa no universo, é a saúde suplementar no Brasil. O.K., talvez não a mais complexa de todas, mas com certeza entraria num Top 10.

Vejamos. Agregar um cliente gera receita, sempre. Mas receita não é lucro. São conceitos financeiros diferentes, como provavelmente o leitor sabe, mas não custa relembrar. Receita é, grosso modo, o valor que adentra e circula no sistema. Lucro é o que se contabiliza depois de cobertas as despesas. Portanto, um cliente gera lucro se o custo de atendê-lo for menor do que o valor que ele injeta pagando pelo serviço. Conceito simples - e basilar.

Executivos muito experientes no setor apontam que uma das causas do cenário complicado seria a limitação, pelas operadoras, da aquisição de planos individuais, o que evitaria trazer usuários mais jovens - por isso, mais “baratos” que os mais idosos, já que têm menos problemas de saúde. O menor custo dos mais jovens naturalmente compensaria o maior custo dos mais velhos, promovendo mais equilíbrio.

E por que as operadoras limitam a oferta de planos individuais? Porque esse tipo de produto é muito mais regulamentado do que os planos empresariais/corporativos, inclusive em termos de reajuste, dificultando o manejo econômico da carteira. Um simulacro de solução que o mercado encontrou foram os planos corporativos para pequenas (pequeníssimas) empresas, com 2 ou 3 “vidas”, que combinam de forma mais ou menos aceitáveis valores mais acessíveis para os usuários com mais liberdade de gerenciamento para a operadora.

Mas o Legislativo, com sua sanha paternalista e regulatória, já avança sobre essa modalidade, com um projeto de lei que visa a limitar os reajustes de planos coletivos. O usuário desinformado diria “que bom”, até se informar e descobrir que o excesso de limitações à atividade acabará encarecendo seu plano, se não levar sua operadora à insolvência pura e simples, deixando-o sem plano de saúde nenhum...

Muitos parlamentares, todos sabemos, decidem sua atuação pelo que a proposta de uma lei projeta publicamente na sociedade (proteger o consumidor “indefeso”, por exemplo), não por seus efeitos práticos no dia a dia do cidadão (como inviabilizar o acesso desse mesmo consumidor a um serviço importantíssimo para ele, ou dificultar, e mesmo inviabilizar, toda uma área de atividade). Já o Judiciário contribui para o problema com decisões arbitrárias sobre o que é taxativo ou indicativo no rol de serviços oferecidos pelas operadoras.

Diga-se de passagem, que nesse tema não existem mocinhos nem vilões. Operadoras certamente pecam por falta de transparência, colocando sob rubricas genéricas extremamente vagas - como “aumento do custo de insumos de saúde”, “inflação médica” ou “incorporação de novas tecnologias”, incompreensíveis para o usuário médio - a justificativa para reajustes muitas vezes desesperadores para seus clientes. O mais provável é que sejam verdades parciais, misturadas com questões de gerenciamento e tentativas de aumentar margens de lucro (tudo, claro, variando de operadora para operadora).

Por sua vez, muitos usuários envolvem-se em esquemas em que há a realização de exames e procedimentos excessivos e desnecessários, ou até mesmo fraudes evidentes, minando a saúde financeira das operadoras com cifras que já são estimadas em bilhões. Também nesse caso, cada cliente é um cliente, e os que agem de forma antiética certamente são uma minoria, mas ao que parece com grande potencial nocivo. Existe, ainda, a alta taxa de judicialização, em que clientes antiéticos e éticos reivindicam serviços presentes ou não em contratos, gerando uma variável difícil de computar.

Não parece razoável, como sugere em artigo recente um conhecido empresário do setor, que a solução seja regular todos os entes atuantes no segmento - planos de saúde, prestadores médicos consumidores (PF/PJ), indústria farmacêutica - por considerar que o ônus regulatório recai, injustamente, inteiramente sobre as operadoras. Não é lógico pensar que a ineficiência de um setor altamente regulado pelo Estado, e por isso mesmo sofrendo de considerável imobilidade crônica e severas distorções, seja mais Estado.

O melhor caminho parece ser o de sempre, e que a maioria dos empreendedores frequentemente deseja e expressa: um mercado mais livre, o máximo possível, em que a concorrência seja promovida e estimulada e o Poder Público atue apenas para corrigir distorções evidentes e reprimir abusos, de todos os lados - e não para multiplicar amarras burocrático-regulatórias que, ao que tudo indica, nos trouxe à situação delicada em que estamos hoje.

O mundo não vai acabar num abismo totalmente sem planos de saúde, porém o colapso de alguns players e a falta de acesso de muitos cidadãos já é problema suficiente - até porque os planos acabam por cumprir a nobre função de evitar ainda mais sobrecarga no sistema público. Algo precisa mudar, e logo, para evitar uma crise. Às cegas, e cada um por si, não haverá progresso. Portanto, o “algo” que precisa mudar provavelmente é de natureza colaborativa.

Não existe solução simples para esse quebra-cabeça. Mas o tempo para solucioná-lo parece estar se esgotando.

 

Fontes
www.gov.br/ans/pt-br
www.infomoney.com.br
www.agenciabrasil.ebc.com.br
www.cnnbrasil.com.br/saude
valorinveste.globo.com
www.valor.globo.com
www.oglobo.globo.com