Varíola de macaco, mas pode chamar de monkeypox.
Nem bem o mundo estava se recuperando dos impactos da pandemia de Covid-19 - que, é sempre bom lembrar, pode estar em outra fase, mais ainda não acabou - e começou a aparecer nos noticiários o que soava como uma nova emergência de saúde global: uma doença chamada de varíola de macaco (em inglês, monkeypox). Independentemente de qualquer outra coisa, o nome já parece ter sido criado para assustar.
Na verdade, o agente causador da doença vive normalmente em roedores silvestres, que podem ocasionalmente contaminar macacos e pessoas, e ganhou esse nome quando infectou macacos usados em laboratório “importados” da África para a Europa, nos anos 1950. Não é, portanto, uma doença “nova”, nem é a primeira vez que é detectada em seres humanos - e nem os macacos merecem o “crédito”.
Em 2003 - portanto, há quase duas décadas - houve um surto de monkeypox nos EUA, com cerca de 70 casos documentados e nenhuma morte registrada. Entre os anos de 2017 e 2021, houve também casos isolados na Nigéria, no Reino Unido e em Singapura, nenhum resultando em grandes surtos. Embora esteja longe de ser inofensiva e precise ser acompanhada com atenção, nada indica que a monkeypox tenha potencial para se transformar numa “nova Covid”.
É sempre delicado abordar temas relativos à saúde, especialmente quando envolvem saúde pública, mais ainda se o assunto pode ter relevância global. Por um lado, há os que enxergam em qualquer notícia, mesmo que preliminar, razão suficiente para alarme; por outro, há os que consideram desnecessário sequer dar atenção a qualquer fato que não indique uma emergência mortal. Mas a melhor forma de lidar com temas dessa natureza parece ser - como vem nos ensinando a pandemia - assumir uma atitude racional e desapaixonada, para tomar decisões baseadas em fatos, captados de mais de uma fonte.
Neste artigo, procuramos trazer os fatos mais consistentes até agora sobre a monkeypox, que vamos tratar pelo nome em inglês por acreditar que isso contribui para reduzir o efeito residual do temor exagerado que envolveu as primeiras notícias sobre a doença. Nosso objetivo é informar - sem alarmar nem subestimar. Isso significa que também não ignoramos informações potencialmente positivas.
Assim como a varíola humana, erradicada por meio de vacinação em larga escala que durou até o começo dos anos 1980, a monkeypox provoca no corpo do doente erupções que viram pústulas dolorosas, com poucos milímetros de diâmetro, provavelmente sua manifestação mais conhecida popularmente. Entre outros sintomas, estão febre, dor de cabeça e inflamação de nódulos linfáticos (a famosa íngua).
E por que, apesar do impacto inicial de notícias sobre seu “aparecimento” em pacientes humanos, a monkeypox tem despertado menos preocupação, tanto na população em geral quanto em boa parte dos profissionais de saúde? O primeiro, e mais óbvio, é que sua transmissão é menos eficiente que a do novo coronavírus: precisa de contato próximo para acontecer, por meio de fluidos corporais (incluindo gotículas de saliva, do tipo que as máscaras barram), mas não é transmissível pelo ar, como o vírus da Covid-19.
Há boas evidências de que a maioria dos casos de monkeypox são transmitidos sexualmente. Esse fato levou até a, digamos, um tanto parcimoniosa OMS a sugerir publicamente que certos grupos evitem, ao menos por um tempo, uma grande variedade de parceiros. Mas é importante evitar, a todo custo, confundir essa recomendação com uma reprovação moral a esse comportamento, pois a vida sexual é uma escolha que só cabe ao indivíduo. Trata-se de uma recomendação médica - e só - cujo custo de seguir ou não cabe a cada um.
Outro importante diferencial que induz a uma menor preocupação na comparação com a Covid-19 é que o vírus da monkeypox é de um tipo muito vulnerável às defesas imunológicas conferidas pela vacina com tecnologia de vírus inativado, como as utilizadas para erradicar a varíola humana, e não apresenta a mesma capacidade de mutação que permitiria gerar variantes aptas a escapar das defesas vacinais. Portanto, quem foi vacinado contra a varíola humana - pessoas por volta dos 40 anos ou mais no Brasil - está relativamente bem protegido (cerca de 85% de eficácia), e quem não foi já dispõe de novas vacinas.
O terceiro e talvez mais relevante fator que vamos citar aqui é a baixa mortalidade da monkeypox: até meados de agosto, haviam sido registrados cerca de 36 mil casos no mundo e pouco menos de 3.000 no Brasil, com um total de menos de 15 mortes, contando todos os países atingidos. As mortes por monkeypox são raras, e normalmente estão relacionadas a condições prévias que já tornavam frágil a saúde do paciente, como pessoas imunossuprimidas, crianças com menos de 8 anos (que não têm o sistema imune maduro), gestantes e lactantes (cujo organismo está passando por variações hormonais).
O caso das gestantes merece atenção e cuidado especiais: uma possível contaminação durante a gestação não só representa um risco maior para a mãe, mas também vem sendo relacionada a um maior risco de morte e más-formações nos bebês. Eis, então, mais dois bons motivos para não se “desconectar” totalmente das informações sobre a doença e procurar orientação médica no caso de qualquer sintoma, e qualquer contato, com qualquer pessoa, que tenha qualquer suspeita de ter monkeypox, particularmente se apresentar qualquer lesão de pele.
Todos teremos de lidar com questões de saúde durante a vida, inclusive doenças infecciosas que sempre fizeram parte do cenário do nosso dia a dia. Talvez o segredo seja cultivar uma saudável cautela bem informada, de modo a nos tornarmos guardiões da nossa própria saúde e daqueles que estão próximos de nós, adotando todos os cuidados possíveis, mas sem renunciar - em nome do temor irracional ou da segurança completa, inatingível - ao sabor da própria vida.
Fontes
www.gazetadopovo.com.br/autor/eli-vieira
www1.folha.uol.com.br/colunas/esper-kallas
www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude
www.em.com.br
www.bbc.com