Ainda temos muito a aprender sobre essa condição.

Um dos objetivos de manter um blog é trazer informações e visões que normalmente não são encontradas no que se pode chamar de “mídia mainstream”, ou seja, meios de comunicação, oficiais ou não, que ainda gozam de certo prestígio (ou fama), mas parecem partilhar e/ou divulgar sempre a mesmas coisas, sobre os mesmos temas, rechaçando, depreciando ou até acusando de crime quem ousa discordar de sua versão.

Os períodos eleitoral e pós-eleitoral têm sido exemplos bastante contundentes – e assustadores – desse comportamento. Mas a imposição de uma versão, que é nociva em qualquer área, adquire contornos particularmente perigosos quando o tema é a saúde. Como nosso trabalho tem fortes vínculos com ela, muitas vezes sentimos ter a responsabilidade de trazer um contraponto à, digamos, visão dominante.

Nosso ponto de hoje é a Covid longa, também chamada de síndrome pós-Covid ou Covid persistente. Seria uma forma prolongada da doença que deu origem à pandemia, perdurando por mais de 1 mês desde a infecção. A primeira pessoa a usar o termo com esta conotação parece ter sido uma pesquisadora atuante em Londres, em março de 2020, para descrever o que ela própria passou ao contrair o novo coronavírus.

Em relatórios preliminares, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 10 a 20% dos infectados poderiam ter sintomas persistentes. Em maio, a chefe de saúde do governo do Canadá especulou que esse número pode chegar a nada menos que 50%, uma diferença que em seu máximo seria de impressionantes 40 pontos percentuais. Há pelo menos dois estudos, com amostras respeitáveis, em que a estimativa é um valor intermediário entre o da OMS e o da autoridade sanitária canadense.

Então, qual seria o problema – além da discrepância de estimativas? Talvez o principal deles seja que, aparentemente, os pacientes criaram o diagnóstico, sendo essa muito provavelmente a primeira doença definida pela união de narrativas nas redes sociais. Suspeita-se que haja o uso de uma espécie de mecanismo de contar histórias, com cronologia, metáfora, suspense e imaginação, e a narrativa tenha como característica distinta, quase sempre, a ausência de um profissional médico como testemunha.

Em artigo publicado com colaboradores na revista Social Science & Medicine, em fevereiro de 2021, Alex Rushforth, sociólogo da saúde britânico e pesquisador da Universidade de Oxford, conclui que os mecanismos usados “criam explicações persuasivas de uma nova doença estranha e assustadora, cheia de reveses e ignorada ou desprezada pelos profissionais de saúde”. O artigo não se compromete definitivamente com a confirmação ou rejeição da Covid longa como diagnóstico.

Hoje, novembro de 2022, a Covid longa não parece mais estar sendo ignorada por profissionais de saúde: relatos e matérias a respeito podem ser encontrados em diversos sites especializados (alguns deles “consagrados”), além de numa infinidade de grupos nas redes sociais. Como sintomas, são mencionados desânimo, ansiedade, depressão, falta de ar, pouca oxigenação no sangue (medida em oxímetros caseiros), exaustão profunda, a ponto de limitar movimentos, e confusão mental com perda de concentração e memória, entre muitos outros – cerca de 50!

Esses sinais difusos, que afetam qualquer um ou muitos dos sistemas do corpo, e vêm e vão sem padrão ou motivo aparentes, podem ser um forte indício de que pelo menos alguns dos sintomas propostos para a Covid longa tenham elementos de subjetividade, ou seja, podem ter caráter mais psicológico do que base numa disfunção orgânica “real”. Mesmo a OMS, ao reconhecer e definir oficialmente a condição, coloca implicitamente como requisito que “… sintomas… não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo”. Um enunciado, convenhamos, não muito preciso.

Evidentemente, não se pode ignorar a queixa de um paciente e muito provavelmente uma parte das pessoas que adoeceram de Covid-19 apresentam sequelas – como acontece com muitas e muitas doenças, sejam ou não infecciosas.  A atitude mais saudável, tanto para pessoas que tiveram Covid-19 como para profissionais de saúde, é ter em mente que, mesmo agora, a pesquisa sobre Covid longa está em sua infância, e que definições mais precisas são necessárias.

O que se sabe com boa dose de confiança nesse momento é que a anosmia (perda de olfato) é parte do quadro. Outros sintomas precisam ser investigados criteriosamente antes de automaticamente atribuídos, todos, a um mesmo evento prévio – a infecção pelo novo coronavírus. Isso é necessário, e humano, não por subestimar o relato de qualquer paciente, nem a potencial seriedade de um quadro com elementos mais subjetivos e menos verificáveis – mas, simplesmente, porque a causa do que aflige a pessoa pode ser outra.

 

Fontes
www.gazetadopovo.com.br
www.brasil.un.org/pt-br
www.bvsms.saude.gov.br
www.pfizer.com.br