Concessionárias enfrentam aumento de custos por sinistralidade
A fim de dar contexto, explicitemos um conceito que provavelmente nem é necessário explicar: concessionárias de rodovias são empresas que administram e mantêm trechos de estradas. Como todos sabem, fazem isso em troca de lucrar com a cobrança de pedágio e outros serviços oferecidos. Importante: de acordo com a Lei 8.987/95, as concessionárias substituem o Estado e por isso são responsáveis por manter a qualidade da via pública e a segurança dos usuários.
Repare: dissemos que são empresas. E, como qualquer negócio, estão sujeitas a uma série de riscos e imprevistos que podem afetar suas operações e finanças. Se uma vítima provar a relação entre um acidente de trânsito e uma falha no serviço prestado, quase com certeza a concessionária será responsabilizada. Ninguém discutiria, digamos, casos de acidentes provocados pela existência de pedras espalhadas na rodovia (por causa de obras), falhas de projeto, medidas de segurança deficientes ou iluminação inadequada.
Mas e se um objeto acabar no meio da estrada totalmente à revelia da concessionária – um pedaço de pneu que se desprendeu de um caminhão, por exemplo – ou um grande animal invadir a via? Por estranho que pareça, se fatos como esse tiverem relação causal com acidentes e prejuízos, a lei e a jurisprudência que dela deriva consideram a concessionária responsável. Não importa que muitas vezes seja praticamente impossível evitar esse tipo de ocorrência.
É por isso que as concessionárias adquirem seguros para proteger suas instalações, veículos, propriedades, patrimônio. Nem tudo que acontece numa estrada, porém, pode ser atribuído à empresa que a administra. Decisões recentes (nem sempre em primeira instância) vêm isentando as concessionárias de ser responsabilizadas por roubos cometidos contra seus usuários em postos de pedágio, inclusive com emprego de armas de fogo. Menos mal, pode-se dizer.
Mas é preciso falar de um dos pontos mais complexos da equação proteção securitária x custos de sinistralidade: fenômenos climáticos intensos, inadequadamente chamados de “extremos” pelos alarmistas de sempre. Evidentemente, no projeto de uma rodovia, e nos trabalhos para sua conservação, é preciso observar rigorosamente as normas técnicas que garantem a segurança dos usuários em situações de calor intenso (que afeta o comportamento do asfalto), ventos fortes, neblina densa, chuvas torrenciais etc.
Acontece que projetos excelentes e bem executados, assim como as normas técnicas que os norteiam, não são infalíveis. Entender que minimizar riscos é diferente de atingir a infalibilidade (se é que ela existe) pode ser considerado uma das melhores demonstrações de maturidade intelectual. A natureza, como se sabe, é capaz de surpreender até aqueles que dedicam a vida toda a estudá-la, e vez por outra impõe calamidades que ninguém poderia prever, por mais pessimista que fosse. Quem se responsabilizará por perdas e danos?
Aqui é preciso fazer dois raciocínios distintos: a concessionária (uma empresa) precisa proteger seu próprio patrimônio – medida prioritária e básica – mas também pode vir a ser acionada e/ou responsabilizada judicialmente por usuários que se sintam de alguma forma lesados por acidentes e incidentes ocorridos em trechos sob sua administração, mesmo quando relacionados a fenômenos naturais. É plausível que, justamente ou não, parte desses usuários obtenha ganho de causa, onerando a concessionária.
Em ambos os casos, quanto maior a probabilidade de prejuízos, maiores serão os custos com a contratação de seguros. Maiores riscos implicam em maiores prêmios, e isso é do jogo – o que não significa que não seja necessário prestar atenção a um cenário preocupante. Em 2023, as fortes chuvas que recentemente vêm assolando as regiões Sul, Sudeste e Nordeste tem aumentado significativamente a sinistralidade, dificultando a renovação de apólices, exatamente pelas implicações sobre os valores dos contratos.
O melhor caminho para lidar com essa situação desafiadora (já que a palavra “difícil” saiu de moda) talvez seja criar condições para que concessionárias e seguradoras trabalhem em conjunto, num esforço para compreender melhor os riscos envolvidos e desenvolver planos mais adequados, talvez inéditos, de gerenciamento desses riscos, inclusive com a implementação de medidas preventivas não adotadas rotineiramente. Sem falar em soluções customizadas geograficamente.
Uma hipótese: “pacotes” de apólices que combinem locais de alto e baixo risco (grande e pequena sinistralidade), de modo que o preço médio dos prêmios torne-se economicamente mais factível. É quase o próprio princípio de uma boa concessão baseada no interesse público: quem fica com o trecho que dá mais lucro tem de levar também o que não dá tanto lucro assim.
Um diálogo coordenado dentro do segmento é a premissa de uma solução dessa natureza, que certamente já é adotada de forma localizada, por players de mercado mais maduros. A ideia aqui seria escalá-la. A mobilização de todo um setor em torno de uma “causa” – “mesmo” sendo o lucro, esse personagem nobre tão vilanizado, mas que move a economia – costuma ser mais eficiente do que qualquer enfrentamento em que cada um defende seus interesses unilaterais.
Para enfrentar fortes chuvas, soluções de seguro inovadoras e mais bem planejadas, resultado do esforço múltiplo, e da compreensão mútua, dos vários players do setor. Não soa bem racional e realista? Até porque não dá para acionar São Pedro – inclusive porque tem gente que nem acredita nele.
Fontes
www.cqcs.com.br
www.tjdft.jus.br
www.sindicatodasseguradorasrj.org.br
www.editoraroncarati.com.br
www.revistasegurancaeletronica.com.br
www.direitoeconsumo.adv.br
www.dizerodireito.com.br