Sempre que surge no horizonte uma nova tecnologia – ou um novo uso de tecnologias já existentes – quase simultaneamente surgem “profecias” de que sua implementação e/ou disseminação vai deixar para trás uma espécie de terra arrasada, em que morrerão práticas e valores importantes para o ser humano.

Bem, talvez isso seja verdade para alguns momentos históricos e certas tecnologias muito específicas: caçar com uma lança cuja ponta é feita de pedra lascada, por exemplo, ou imprimir todo um jornal de dezenas de páginas com cada letra que levará a tinta ao papel moldada em chumbo fundido. Porém, o caminho mais frequente e provável não é o da aniquilação daquilo que se conhece, mas da convergência entre o que se faz hoje com o que se pretende fazer, melhor, amanhã.

Assim como a televisão não acabou com o rádio, e os serviços de streaming não acabaram com as salas de cinema (apesar do temor bastante pessimista de que isso um dia venha a acontecer), a medicina digital, em que dispositivos e aplicativos monitoram de perto e em tempo real a saúde das pessoas, não vai “aposentar” a atenção à saúde clássica, presencial, entre profissional e paciente. Pode, ao contrário, potencializá-la.

Grandes inovações no ecossistema de cuidados já estão mexendo com a vida de todos e melhorando as formas de prevenir, diagnosticar e tratar doenças. Com o tempo, ninguém vai ficar fora desse novo mundo em que inteligência artificial, computadores e sistemas conectados convivem com médicos, enfermeiros e outros profissionais da área.

Uma menção evidente, mas inevitável, porque fartamente fundamentada: a pandemia acelerou tendências que já se delineavam no setor de saúde, marcadamente a necessidade e possibilidade de aliar recursos tecnológicos a equipes multiprofissionais, com médicos e enfermeiros, entre outros.

Cada vez mais, torna-se realidade o conceito de jornada do paciente: em vez de exclusivamente consultas e exames pontuais, em geral diante de sintomas ou crises, a pessoa é acompanhada continuamente, com o apoio de plataformas digitais que reúnem seus dados e um time apto a atendê-la de forma virtual ou presencial, o que é decisivo para a medicina preventiva e preditiva.

O maior desafio é conectar os elos da cadeia de cuidados, o que é mais efetivo para o paciente e mais sustentável para o sistema. Nessa jornada integrada, prontuários eletrônicos agregam as informações e o histórico do paciente, permitindo personalizar o atendimento e evitar a redundância na prescrição de exames e/ou riscos de interações entre medicamentos.

A evolução envolve dois fatores indissociáveis: a escalabilidade tecnológica e a competência humana em saúde, que só profissionais qualificados podem oferecer. É preciso que haja a coordenação e a navegação do cuidado, que se complementam: a coordenação identifica as necessidades de cada um e indica os profissionais e recursos para atendê-las; a navegação é o percurso em si, com um profissional de saúde definindo o rumo junto ao paciente.

Novamente, o exemplo recente e avassalador: um estudo realizado no auge da pandemia mostrou que pacientes que receberam monitoramento tiveram quase 60% menos complicações com o quadro causado pela covid-19. Devidamente orientados, não precisavam sair de casa e ir ao pronto-socorro por qualquer sintoma.

Outro exemplo: uma pesquisa contemplando brasileiros com diabetes tipo 2 demonstrou que o gerenciamento remoto de saúde, realizado por equipe multidisciplinar com apoio de ferramentas tecnológicas, melhorou os resultados dos exames e diminuiu o risco cardiovascular dos pacientes.

A tecnologia não vai substituir médicos e outros profissionais de saúde, mas sem dúvida já faz, e fará cada vez mais, parte de sua rotina. Sem antagonismo, o treinamento desses especialistas em cuidar das pessoas deve acompanhar os avanços da área, permitindo que lidem com dados, protocolos e recursos tecnológicos constantemente atualizados – sem perder a dimensão humana do cuidado. O bom clínico do futuro estará capacitado a desenvolver empatia com o paciente apesar da distância.

A digitalização também deve permitir que as interações entre a equipe multidisciplinar de saúde e os pacientes gerem dados que podem ser transformados em informação útil para decidir investimentos e coordenar cuidados. E as informações de saúde de cada um, sensíveis por natureza e reunidas em grandes bancos de dados, podem perfeitamente permanecer sigilosas, impedindo qualquer exposição dos pacientes e uso indevido.

Existem eficientes esquemas de defesa para evitar isso, com os dados protegidos por uma ou várias camadas de criptografia e sob anonimato. A LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados dita que qualquer informação obtida em consultas e exames permaneça confidencial, inclusive quando tudo acontece em ambiente virtual.

Nos melhores casos, dos melhores cuidados, das equipes mais capacitadas, das instituições mais competitivas e alinhadas com o futuro da medicina, a jornada do paciente será híbrida: terão papéis fundamentais tanto a tecnologia como o ser humano, tanto o atendimento presencial como o acompanhamento digital.

No Brasil, já existem empresas pioneiras que atuam na disponibilização de recursos dessa nova realidade da saúde. Pacientes, profissionais e instituições que seguirem esse caminho multiplataforma têm múltiplos fatores favoráveis para construir, juntos, uma melhor jornada.

 

Fontes
www.gov.br
www.sindhosp.org.br
www.saude.abril.com.br
www.futurodasaude.com.br
www.revistavisaohospitalar.com.br
www.myoncare.com/pt