O tema “olhar” pode parecer poético, e até ser, em certos contextos, mas essa capacidade ligada a um dos nossos sentidos – talvez o principal deles, a visão – tem um impacto sobre o dia a dia muito mais importante do que a maior parte das pessoas suspeita. E se impacta o dia a dia de todas as pessoas, vai impactar a empresa.
Estima-se que mais de 80% da informação que um ser humano recebe é visual – e nesse número não está incluído o conteúdo que lemos. Portanto, por mais que sejamos tagarelas e tendamos a acreditar que o que importa mesmo é o que falamos, a quase totalidade da comunicação entre as pessoas acontece de forma não-verbal. Pode parecer assustador a princípio, mas é assim que todos vivem, todos os dias, dentro e fora da empresa, quer saibam ou não (com a evidente exceção das pessoas com deficiência visual).
O não-verbal não é uma crença, nem um monstro: é um fato. O melhor que se pode fazer a respeito é percebê-lo mais claramente e entendê-lo, para poder lidar melhor com ele e incorporá-lo mais conscientemente ao nosso repertório de comunicação individual. Ocorre que nossos ancestrais viviam na natureza selvagem e muitas vezes inóspita, em que ver e agir era fundamental à sobrevivência: para caçar a refeição do dia, fugir de um animal predador ou enfrentar a tribo inimiga, entre outras possibilidades.
Como continuamos pertencendo à espécie dos nossos ancestrais, e o objetivo prioritário de toda espécie é sobreviver e se reproduzir, herdamos deles esse aparato sensorial que a biologia evolutiva desenvolveu para nos manter vivos na selva (ou qualquer outro nome que se queira dar à natureza intocada). Nosso corpo, em certa medida, não sabe que moramos na cidade: o processamento de informações visuais continua sendo muito mais rápido que a compreensão do discurso articulado – que, claro, tem o seu valor.
A comprovação é matemática: as contrações musculares que demonstram em nosso rosto as emoções que estamos sentindo – e as emoções são universais, mesmo que os gatilhos para elas sejam diferentes em cada cultura – são percebidas pelo interlocutor em apenas 1/10 se segundo. Já o tempo necessário para falar algo coerente, por mais curta que seja a palavra e rápido o falante, durará muito mais que isso. Na interação presencial, as intenções e emoções do outro são percebidas muito antes de qualquer palavra, e em grande medida é essa percepção que define as relações.
Como isso se reflete na empresa? Da mesma forma que em qualquer outro contexto social. Quanto menos nós olhamos, menos percebemos o que está realmente acontecendo na interação, menor é a chance de uma colaboração produtiva e maior a de um desentendimento destrutivo. O excesso de exposição a telas trazido pelo mundo digital veio para complicar o quadro. Já é clássico o exemplo da família que almoça à mesma mesa de um restaurante, mas com as pessoas olhando cada uma para tela do próprio smartphone, e não umas para as outras. Por algum tempo, o uso de máscaras – ainda necessário – será outra barreira visual.
Sendo tanto a expressão de emoções no rosto quanto a capacidade para percebê-las próprios à nossa espécie, ao ignorá-las, reduzi-las ou anestesiá-las estamos nos tornando menos humanos. É um efeito grave, que precisa ser equacionado para aumentar nosso bem-estar, nossa qualidade de vida e, talvez, a própria sobrevivência da nossa espécie. Quando especialistas em recursos humanos, psicólogos e consultores de todos os tipos falam da necessidade de desenvolver em equipes e empresas a famosa capacidade de relacionamento interpessoal, podem até não saber (os melhores sabem), mas estão validando a importância do olhar.
O empreendedor que deseja utilizar essa informação valiosa para melhorar a gestão de pessoas em sua empresa pode tentar lançar mão de estratégias que favoreçam a interação presencial dos colaboradores, frente a frente*, sem a interferência de telas digitais e suas infinitas notificações sonoras. Pode ser de forma dirigida, numa dinâmica elaborada por especialistas, mas também de modo mais orgânico e intuitivo – ou seja, simplesmente estimulando o diálogo atento e atencioso entre as pessoas (provável base para muitas iniciativas, válidas, na linha “café com o presidente”).
Tudo indica que, quanto mais os colaboradores se olharem, mais transparente será a relação entre eles (concordâncias e divergências) e mais consistentes as bases para medidas efetivas da liderança. Parece irônico, mas é preciso voltar a olhar atentamente para o outro para se lembrar, bem, que ele – e nós – somos humanos.
* Observadas todas as medidas de segurança contra a Covid-19.