O aquecimento global, rebatizado de mudança climática, e a pandemia de Covid-19 colocaram ainda mais na pauta do dia a dia das pessoas comuns uma expressão que merece boa dose de cautela para ser explicada e/ou compreendida, inclusive por ter evidentes impactos na saúde: “consenso científico”.

Existe até quem diga que, a rigor, este fenômeno não existe, dado que sempre haverá algum nível de discordância. Mesmo assim, vale a pena tentar compreender o termo, respeitando a acepção com que hoje ele é utilizado, ou seja, a convergência majoritária de opiniões sobre um determinado assunto.

Decisões sobre tratamentos médicos e outras medidas de saúde, principalmente na esfera pública, mas também relevantes para o mercado privado, precisam ser baseadas não em intuições “puras”, sem suporte de dados, mas em evidências experimentais (embora a intuição seja um estímulo legítimo para a busca do conhecimento).

No estudo científico, existem várias situações, nem sempre consensuais. Por exemplo, dois ou mais pesquisadores podem fazer estudos separados e chegar a conclusões semelhantes (aconteceu com a Teoria da Evolução). Ou um pesquisador solitário pode ter uma “epifania” (espécie de revelação subjetiva) que o leva até uma perspectiva revolucionária. Ou, ainda, de forma colaborativa, como em casos recentes, em que milhares de pesquisadores se uniram para acelerar estudos e chegar a conclusões, caso do esforço coletivo mundial para o mapeamento genético do ser humano.

A melhor forma de descobrir as melhores evidências disponíveis é consultando os “especialistas” – não os hoje tão famigerados palpiteiros pseudotécnicos com viés ideológico, mas aqueles que sejam intelectualmente honestos, tendo realizado/revisado estudos relevantes, relatando-os com objetividade. No entanto, existem muitos casos na história da ciência em que o consenso científico, até entre esses, digamos, especialistas respeitáveis estavam errados.

Alguns exemplos mais famosos incluem visões da teoria psicanalítica freudiana sobre doenças mentais, que foram dominantes nos anos de 1950, a convicção médica pré anos 1990 sobre úlceras estomacais serem causadas por estresse e excesso de acidez e a astronomia pré-Copérnico, que confiantemente colocava a Terra no centro do universo.

Vê-se, portanto, que às vezes – muitas vezes – pode-se desafiar o tal consenso científico de forma legítima, e que sem esses desafios o progresso da ciência teria sido severamente limitado. Exemplo de efeito positivo dessa postura crítica: atualmente, a medicina trata úlceras muito mais eficazmente com antibióticos, que eliminam as infecções bacterianas que normalmente as causam (comentário irônico: não vamos nem entrar no mérito do vaivém de opiniões médico-nutricionais sobre o consumo de ovo e glúten).

Talvez seja produtivo dispor de orientações gerais para quando se pode “aceitar” o consenso científico (sem nunca prescindir da cautela) e quando ele pode ser legitimamente desafiado.

Pode-se confiar no consenso científico, com boa margem de acerto, quando ele é baseado em evidências robustas obtidas por meio de observações cuidadosas e experimentos realizados por pesquisadores com motivações prioritariamente científicas, e não excessivamente financeiras, ou, em qualquer grau, ideológicas. Detalhando: quando há teorias sólidas, baseadas em explicações das evidências, levando-se em consideração teorias rivais e publicações em revistas científicas de alta qualidade. O número de cientistas conta menos que a qualidade.

E é salutar, extremamente salutar, desafiar o consenso científico quando ele é baseado exclusivamente em “sabedoria” e tradição (que não são ciência…), em vez de evidências. E mesmo quando há supostas evidências, mas que são coletadas/interpretadas por pessoas com motivações puramente econômicas e/ou ideológicas. É também muito válido manter uma postura crítica, e a mente aberta, quando surgem novas evidências, enfraquecendo o consenso (é uma qualidade da ciência, e não uma fraqueza, que cientistas mudem de opinião frente a novas ideias, fatos e dados).

Por fim, vale lembrar uma anedota bastante saborosa do meio científico. Reza a lenda que uma dia alguém perguntou a Einstein se não o incomodava que dezenas de cientistas se dedicassem dia e noite a desmenti-lo e refutá-lo em suas pesquisas e conclusões. Ao que o gênio teria respondido algo assim:
– No que eu estiver mesmo errado, com as evidências certas, basta um.

Se até o físico dos físicos mantinha um saudável ceticismo diante de grandes mobilizações científicas coletivas guiadas por mera convicção inconsistente, ganância de prestígio (e dinheiro…) e hipertrofia do ego, parece inteligente que façamos o mesmo.

 

Fontes
www.blogs.unicamp.br
www.pt.quora.com
www.estadao.com.br