Nos últimos anos, o que idealmente seria tratado como um problema de saúde pública acabou se tornando mais um item na pauta das chamadas políticas identitárias. A “gordofobia”, definida pelo Dicionário Houaiss como “aversão preconceituosa contra pessoas gordas ou obesas”, vem tirando o foco de problemas de saúde causados pela obesidade e se tornou uma justificativa para atacar toda e qualquer pessoa que não concorda com o movimento crescente de ativismo social em torno do “corpo gordo”.

Apesar da pressão dos ativistas, a gordofobia não é crime previsto na legislação brasileira. Mesmo assim, é frequentemente invocada, como se existisse uma tipificação penal oficial e estabelecida, o que simplesmente não é verdade. Tratar mal alguém por suas características físicas é certamente reprovável, condenável e pode até mesmo ser odioso e criminoso – vide episódios de racismo. Mas a percepção de falta gentileza e grosseria é algo muito diferente da caracterização de algo em termos penais e jurídicos.

No site do Senado Federal há uma área em que podem ser apresentadas sugestões para a criação de novas leis. Sobre o tema “gordofobia” há propostas que pedem, entre outras coisas: o fim das catracas nos veículos de transporte coletivo, como “forma de lutar contra o preconceito”; tratar a gordofobia como crime hediondo (ou seja, na mesma categoria de homicídio e estupro); que pessoas com obesidade mórbida recebam um benefício do governo até que passem por cirurgia bariátrica custeada pelo SUS.

No Senado propriamente dito – uma das instâncias do nosso sistema legislativo bicameral – já foram registradas outras movimentações, como a que classifica como discriminação a cobrança adicional aplicada a pessoas obesas que ocupam mais de um assento em meios de transporte e eventos culturais (sem nenhuma menção aos direitos do passageiro de peso médio que vai ao lado).

Para adicionar alguma racionalidade à questão, fiquemos no exemplo da aviação: o peso total da aeronave faz uma tremenda diferença para sua operação e para o custo-benefício da empresa. Uma demonstração incontestável é a atitude relativamente recente tomada por uma famosa companhia aérea americana, na qual por mais de 75 anos os pilotos tiveram que carregar manuais de voo que chegavam a pesar 18kg. A troca por tablets reduziu esse peso de forma tão significativa que levou à economia de combustível de cerca de US$ 1 milhão/ano.

Para o CEO de outra companhia aérea, que não vamos identificar aqui, a conta é simples: tudo o que um avião tem para vender é o espaço dentro dele, e eventualmente as pessoas vão começar a se perguntar por que quem é mais leve tem de pagar por quem é mais pesado. A aceitação ou rejeição do fato pelos passageiros seriam baseadas em quais critérios? Todos que viajam por uma mesma companhia aérea – um ambiente privativo – teriam de aceitar a política aplicada? Seriam claramente informados disso? Os que se recusassem, para economizar seu próprio dinheiro (eventualmente até escolhendo outra companhia) seriam classificados como gordfóbicos?

Voltando ao campo da justiça, parece ainda não haver pacificação quando o assunto é gordofobia. Há casos da aplicação do termo em condenações, principalmente na Justiça do Trabalho, mas também negação de indenização porque o juiz considerou não haver “previsão legal para indenização pelo mero aborrecimento”. Em termos bem práticos para boa parte dos negócios, ter menos pessoas obesas na empresa pode contribuir para um gerenciamento mais eficiente de custos com saúde corporativa.

Isso não significa, evidentemente, que é desejável ou “permitido” (em termos de dignidade humana…) ter como política não contratar pessoas gordas (o que, aí sim, tangenciaria um preconceito desumanizante e mercantilista odioso). Até prova em contrário, as pessoas precisam ser contratadas por sua competência. Mas esses dados podem significar, isso sim, que é muito positivo criar programas e atividades de incentivo à saúde, que previnam a obesidade e suas consequências, rejeitando sua glamourização no discurso pós-moderno.

Certos casos demonstram que o policiamento da linguagem atinge mais que a livre expressão em redes sociais, por exemplo. Embora haja evidências praticamente incontestáveis de que a obesidade aumenta estatisticamente os riscos de ter uma série de problemas de saúde – diabetes, hipertensão, distúrbios respiratórios e até quadros graves de Covid-19 – um médico que hoje em dia tente alertar seu paciente sobre esses riscos pode até ser acusado de preconceituoso e gordofóbico. Militantes contestam o próprio conceito de evidência.

Em uma publicação cujo título é “Guia Express Direitos da Pessoa Gorda”, a autora (uma advogada) afirma que “todo comentário invasivo e constrangedor relacionado ao peso, aconselhamentos que fogem da especialidade no momento podem ser caracterizados como gordofobia médica”. Ela chega a sugerir que pacientes gravem suas consultas e façam denúncias ao Conselho Regional de Medicina caso de sintam alvo de gordofobia.

O próprio ato de perder peso voluntariamente é tratado como gordofobia por ativistas da causa. Uma, digamos, “influencer” que se autodenomina “líder mundial em confiança corporal, anti-dieta, pró-corpo gordo, coach de aceitação, palestrante, autora”, escreveu em seu site que “se você perde peso de propósito, esse ato intencional de tentar tornar seu corpo menor é de forma inerente gordofobia.” Poderia se traduzir esse pensamento em “seu corpo, minhas regras”?

Há também, claro, quem defenda a destruição de toda a cultura ocidental para acabar com a gordofobia, e ativistas ainda mais extremos, que chegam até mesmo a associar gordofobia a nazismo. Quando se compara qualquer grau de desaprovação à obesidade – por motivos médicos, econômicos, psicológicos e mesmo “meramente” estéticos – com a segregação e o extermínio sistemático de todo um povo em fuzilamentos, crematórios e câmaras de gás existentes em campos de concentração, parece evidente que os defensores mais extremados da causa não são movidos por qualquer desejo de dignidade, mas sim por uma espécie de impulso patológico narcísico.

E que, infeliz e perigosamente, perderam qualquer senso de proporção.

 

Fontes
www.gazetadopovo.com.br
www.12.senado.leg.br
www.g1.globo.com