Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um manual global com informações e orientações aos governos sobre como implementar a cobrança de (mais) impostos sobre bebidas açucaradas.

Certos levantamentos indicam que, atualmente, mais de 80 países utilizam alguma medida desse tipo para reduzir o consumo de itens como refrigerantes, bebidas lácteas com sabor, energéticos e sucos de fruta industrializados, entre outros.

O objetivo da OMS (sempre tão benevolente…) seria estimular os países a implementar medidas similares às tomadas para as taxações de tabaco e álcool, que supostamente teriam se mostrado eficazes para prevenir mortalidade precoce e doenças não-transmissíveis.

No Brasil, tramita no Senado um projeto de lei (de autoria de um senador do PT de Sergipe) que institui a alíquota de 20% sobre refrigerantes e bebidas açucaradas, já aprovado na Comissão de Assuntos Sociais, em maio de 2022, e que agora está na Comissão de Assuntos Econômicos.

O paralelo entre a produção/consumo de refrigerantes e a indústria do tabaco é quase um clássico: de acordo com a mesma OMS, a principal medida que teria ajudado na redução de consumo de cigarros convencionais no Brasil é (adivinhe…) o aumento dos preços das cartelas de cigarro.

Entretanto, segundo o Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), do Instituto de Psiquiatria (IPQ)  da Faculdade de Medicina da USP, fonte muito mais confiável, outras medidas ajudaram nessa redução, com destaque  para a lei que proíbe fumar em espaços públicos e o fim da publicidade direta e indireta de cigarro.

Já que a comparação refrigerante/tabaco é um argumento recorrente, eis aqui um dado a se considerar: nos 12 anos anteriores à pandemia, houve uma queda de 40% no hábito de fumar no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, tendo os fumantes passado de 15,6% da população em 2006 para 9,3% em 2018. Sem aumento de impostos.

O mercado publicitário sabe, desde os anos 1990, que além das restrições à divulgação do produto, o consumo de cigarro caiu porque fumar saiu de moda, uma vez que passou a ser percebido como um ato pouco inteligente de autodestruição da saúde (tendo tido o aumento do preço muito provavelmente uma contribuição periférica).

Raciocínio-base do manual sobre refrigerantes e produtos similares: o consumo excessivo dessas bebidas leva a maior risco de obesidade e suas complicações, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, renais e oculares, entre outras. Mas é preciso dar ênfase, na análise de tão bem intencionada “sugestão”, à palavra “excessivo”.

Um só cigarro faz mal, para qualquer pessoa; uma única latinha de refrigerante, não necessariamente. Embora realmente haja uma relação causal entre o consumo excessivo de açúcar e problemas de saúde, o ingrediente (utilizado como elemento para dar sabor) não está presente apenas em refrigerantes, mas também em chocolates, sorvetes, bolos, tortas, barrinhas de cereais e até no cafezinho da maioria das pessoas. Taxaremos, no futuro, todos esses alimentos?

Passaremos também a sobretaxar, por exemplo, linguiça, pizza e cerveja, porque em algum grau fazem mal a quem os consome? E só “alimentos que fazem bem” serão vendidos com base nos custos da cadeia de produção e distribuição?

Não parece boa ideia utilizar a mão pesada do Estado para implementar qualquer política coercitiva para que os indivíduos sejam saudáveis – principalmente via aumento de impostos. Os refrigerantes e seus correlatos podem até não fazer bem, o que é diferente de fazer mal, portanto não são demônios tão feios como se pinta por aí.

Consumidos com moderação, representam um prazer sem maiores consequências e parece haver consenso palpável entre as pessoas normais – não o famoso “consenso científico” – de que o prazer “puro” tem de fazer parte da vida.

Mesmo que exista uma correlação significativa entre maior taxação e redução de consumo, soa muito (muito…) mais democrático que as próprias pessoas (ou os pais, no caso das crianças, mesmo com todas as nuances da situação) tenham direito de decidir se sua alimentação será saudável ou não.

Possíveis impactos sobre o sistema público de saúde (consequência que carece de melhor demonstração, com dados mais robustos) precisam ser equacionados de outra forma, não cerceando opções e preferências que podem, para parte das pessoas, se tornar vícios. Lembremos que quem financia o sistema público é… “o” público.

Por motivos econômicos, culturais e até filosóficos – preservar o importante pilar da liberdade de escolha – uma conclusão muito mais plausível e prudente é que é mais produtivo, e alinhado à democracia, investir na educação e no esclarecimento do público.

O indivíduo sabe, ou precisa ser capaz de aprender, o que é melhor para ele.

 

Fontes
www.jornal.usp.br
www.bvsms.saude.gov.br
www.revistagalileu.globo.com
www.ge.globo.com